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O DRAFT: O QUE É E COMO FUNCIONA (PARTE 2)

Como já vimos no texto anterior, o draft hoje é um evento pomposo (quase tanto quanto a entrega dos Oscars, como tapete vermelho e o escambau) transmitido ao vivo para o país inteiro (e para alguns lugares do mundo), bem diferente de sua primeira versão de 1936, realizado a portas fechadas e sem cobertura alguma da imprensa da época.

            E bem diferente de outros momentos históricos, as estratégias de negociações evoluíram a ponto de transformar o draft em um jogo paralelo, a verdadeira estrela da offseason, onde os acertos e erros são escrutinizados à exaustão pela mídia especializada e pelos palpiteiros em geral.

O PROCESSO DE AVALIAÇÃO DOS JOGADORES UNIVERSITÁRIOS

            Inicialmente, já vale ressaltar que o processo de avaliação de jogadores não é uma ciência exata. Apesar da informação coletada sobre os jogadores constituir, basicamente de critérios objetivos, a seleção final envolve critérios irracionais, como instinto, intuição e gostos pessoais dos gerentes-gerais e técnicos.

Para ser elegível para o draft, o jogador de futebol americano universitário tem que ter concluído o ensino médio (high school) há pelo menos três anos, e se inscrever para o draft antes do início da temporada seguinte.            

Há em torno de 600 jogadores de futebol americano universitário inscritos para o draft de 2023, mas somente 259 serão escolhidos pelos times profissionais. Os que sobrarem tornam-se, automaticamente, free agents, e ficam, portanto, livres para negociar com qualquer time da NFL.

Pode-se pensar que é o fim da linha para um jogador não recrutado num draft, mas há grandes histórias de sucesso, como, por exemplo, Kurt Warner, ex-quarterback do St. Louis Rams e do Arizona Cardinals, campeão do Super Bowl na temporada 1999/2000, dentre outros como Warren Moon, Tony Romo, Wes Walker, e por aí vai.            

Todo time da NFL tem um departamento enorme de pessoas dedicadas a avaliar jogadores universitários. São os scouts, cuja tradução literal é “escoteiros”, mas evidentemente essas pessoas não passam o dia esfregando gravetos para acender fogueiras, ou vendendo biscoitos ruins de porta em porta. Os scouts profissionais correspondem, mais ou menos, aos “olheiros” do futebol da bola redonda, e têm um trabalho insano, considerando o número de jogadores universitários que participam de uma temporada. Numa conta mais ou menos aproximada, se considerarmos que cada time universitário tem cerca de 100 jogadores, e com mais de 100 times só na Divisão I, chega-se ao número aproximado de 10.000 jogadores que, teoricamente, podem ser avaliados por temporada.

Obviamente, avaliar todos esses jogadores é humanamente impossível, e os scouts têm que criar um sistema para possibilitar seu trabalho, o qual variam bastante de time para time. Por exemplo, Greg Gabriel, um ex-diretor de college scouting dos Chicago Bears, dividia o país em seis regiões, e em cada região, identificava em torno de quinze escolas principais (ou “times grandes” numa comparação tosca com o futebol da bola redonda). O grosso dos jogadores avaliados vinham dessas escolas.

            Assim, os scouts dos Bears sob a direção de Gabriel tinham que visitar estas cerca de noventa escolas ao menos três vezes por ano. Era de responsabilidade dos scouts saber rigorosamente tudo sobre os jogadores desses “times grandes”, desde o talento até traços de caráter, tanto ligados diretamente ao esporte como pessoais. Gabriel, como muitos outros executivos da NFL, tem a firme convicção que caráter é condição sine qua non para ser bem-sucedido na NFL. Muitos jogadores falham porque não têm o que os avaliadores chamam de “caráter futebolístico”, que pode ser resumido grosseiramente como o amor e o respeito que o jogador tem pelo esporte, e quanto ele estaria disposto a se sacrificar por ele.            

Os scouts não eram responsáveis somente pelas cerca de quinze escolas principais da região, mas também tinham que visitar as pequenas e médias ao menos duas vezes ao ano caso tivessem identificado um jogador top nessas universidades. E como se faz isso antes de qualquer visita presencial? Primeiramente, ligar para o técnico da escola pequena ou média para saber se há alguém ali que mereça alguma atenção. Depois, assistindo a uma quantidade quase desumana de filmes para confirmar a sugestão do técnico, ou mesmo identificar algum outro prospecto ali.

Como se pode notar, o trabalho dos scouts não é nada fácil, e o tempo deles vale literalmente ouro.

            Toda semana Gabriel conversava com os scouts para saber se havia jogadores em suas respectivas regiões que o gerente-geral e ele deveriam observar, tanto aqueles que jogavam em posições que o time precisava quanto os que se adequariam melhor no sistema defensivo ou ofensivo dos Bears.

            Esta parte do processo durava desde o início dos treinos, em agosto, até a semana do Thanksgiving.

            Após, os scouts elaboravam os relatórios sobre os prospectos de sua região e se reuniam com o diretor de college scouting, dando início à fase de cross-check, um sistema alternativo de avaliação dos jogadores selecionados pelos scouts, que ocorria geralmente na primeira semana de dezembro.

            Nestas reuniões se fazia uma análise breve dos prospectos e já de cara se eliminava os jogadores que não teriam chance de jogar pelos Bears, e também aqueles que representavam um risco grande demais no que diz respeito ao caráter. Excluía-se até mesmo prospectos que embora tenham recebido uma avaliação alta quanto ao talento, não conseguiriam jogar no sistema defensivo ou ofensivo do time (e nestes termos os Bears selecionaram Marc Colombo com sua primeira escolha no draft de 2002, um jogador apenas mediano, e deixaram passar Andre Gurode, que acabaria se tornando um dos melhores centers da história dos Dallas Cowboys. Acontece. Como já dito, não é ciência exata, bem longe disto).            Após estas eliminações preliminares, chegava-se a uma lista de mais ou menos 450 a 500 jogadores. Cada scout, então, recebia uma lista de aproximadamente trinta jogadores de uma posição para assistir de quatro a seis filmes de cada um.

Ressalte-se que, para serem bem-sucedidos nos cross-checks, é fundamental que os scouts tenham uma relação bem próxima com os treinadores daquela posição, e saibam, portanto, que tipo de jogadores eles procuram.

            Após o término da temporada da NFL, todos os técnicos passam a participar do processo de avaliação dos prospectos universitários. Cada técnico de posição recebe de 15-20 jogadores para estudar os filmes, e avaliá-los tanto no Scouting Combine (evento que ocorre todos os anos no final de fevereiro em Indianapolis, onde os principais jogadores que participarão do draft se reúnem para fazer testes físicos), como também nos workshops individuais após o Combine.

            Após os términos do Combine e dos workshops, passa-se à avaliação médica dos prospectos que remanesceram nas listas dos técnicos. Muitos times fazem uma avaliação mais aprofundada das condições físicas dos prospectos nesta fase, eliminando aqueles que representarem riscos muito grandes de saúde. Aqui, novamente, se avalia o caráter dos jogadores, e se elimina os que representarem riscos segundo o critério dos treinadores.

            Após todas estas fases, finalmente se chega na avaliação final, quando os times elaboram uma lista final, chamada de big board, na qual os times colocam os jogadores numa ordem decrescente de valores a que chegaram após o término de todas as fases de avaliação de jogadores. Esta lista é utilizada para selecionar os jogadores no dia do draft, e obviamente varia muito de time para time.

Próximo: principais estratégias utilizadas no dia do draft.

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